Casamento empático
Num casal, as motivações nem sempre estão de mãos dadas. Mas como destaquei no texto da semana passada, o diálogo e principalmente a escuta são necessários para ativar no outro a sensação de acolhimento. Essa percepção é o primeiro passo para despertar a gratidão no parceiro ou parceira e assim construir as bases para um casamento empático.
Calar-se para si mesmo e ser capaz de ouvir a verdade do outro em nenhum momento significa descartar nossas crenças. Pode, no máximo, significar deixa-las descansar, colocando-as para conversar com o diferente.
Já escrevi num texto que para exercitar a empatia eu preciso me despir de mim e criar espaço para o outro. Preciso me sentir por meio dele, o que lhe acontece. Só daí eu posso voltar a mim e ser capaz de interagir. E é por meio desse tipo de interação entre parceiros que será possível construir um casamento empático.
Crenças que geram desencontros
Se uma crença não é capaz de dar lugar a questionamentos, ela não se sustenta. Como destaquei na semana passada, nossos componentes emocionais são capazes de distorcer percepções e interpretar atitudes e falas com o filtro de nossas carências e preconceitos. E se estes se sobrepõem à escuta, eles enrijecem a posição do um e do outro. Essa, em geral, é a rota dos desencontros.
Mesmo uma pessoa que esteja convicta da sua crença tem muito mais chance de construir consenso ouvindo o outro. Escuta gera diálogo e isso só fortalece a interação. É quando o outro sente-se forte – ao invés de amedrontado, acuado ou ameaçado – que que ele se sente seguro inclusive para mudar de posição.
Essa abertura para o diálogo, esse processo de colocar em dúvida a própria crença, também abre a possibilidade para o um mudar de posição. E se o que se espera gerar na interação é o melhor possível para si buscando o melhor possível para o outro, não interessa quem muda de posição. Se o que se quer é que a relação ganhe, quem vai ceder passa a ser pouco importante.
Ao longo de toda a minha experiência em terapia de casais, não presenciei nada que dê mais força ao diálogo do que o movimento, daquele que está um pouco mais forte, de encorajar o outro a dizer da sua angústia. Exercitar essa generosidade com a escuta aberta é parte do nosso entendimento de que somos falíveis. De que podemos ter errado e que sim, podemos ser a causa da angústia do outro. E para a plenitude do casamento empático, esse exercício é necessário.
Por outro lado, diferenças também não precisam ser pontos de ruptura, desde que sejamos capazes de visitá-las com a curiosidade de um turista que chega a uma nova cidade. Percebê-la, senti-la e por que não, experimentá-la?
Casamento empático: como o processo terapêutico pode ajudar nessa construção?
Não dá para negar que é possível olhar para o casamento como um projeto. E muitas vezes a relação passa mais por etapas de demolição do que de efetiva construção.
Viver uma relação com amorosidade e compreensão é o real desafio de um casal. E se por acaso um relacionamento não deu certo, cabe atentar que não adianta mudar de CEP ou de parceiro, se não mudarmos nossas atitudes que ferem a convivência. Se não olharmos para nós mesmos.
Geralmente quando um casal procura a terapia é porque, em diferentes graus, algo está deixando de funcionar. E ao chegar no consultório, essa procura me sinaliza que devo tratar do terceiro paciente. Não é A, nem B, não é o um ou o outro. É a relação, paciente C que será o objeto do processo terapêutico.
No entanto, em momento algum se anula A ou B. Diante do conjunto formado entre os dois, normalmente fica claro de que C não está tendo uma condição de vida que valha a pena. Mas para aprimorar essa “condição de vida”, temos que cuidar para que A e B se fortaleçam para seguir suas vidas independentes.
E seguir essas vidas independentes não necessariamente significa o fim da relação. Porque A e B são independentes e não parasitários, não dependem do outro para sobreviver. Como escrevi no texto anterior, casais são dois seres buscando encaixes possíveis para se sentirem confortáveis e quererem estar ali. Se há o querer, há uma escolha de um e de outro de estar na relação.
Mas se por acaso a separação acontece, cada um buscará, antes de tudo, recuperar-se do luto. E para isso eles precisam se tornar uma boa companhia para si mesmo. Melhor ainda será se cada um for capaz de fazer uso de todo aprendizado da relação, inclusive da terapia, para estar mais preparado para um novo tempo e não cair na fábula da mitologia grega de Sísifo: condenado a empurrar uma pedra até o mais alto ponto da montanha, onde ela rola de volta. Sísifo fica eternamente nesse sobe e desce exaustivo e sem sentido.
A ruptura de uma relação não é o fim de C: é um recomeço para A e B se desvencilharem das pedras que carregaram inutilmente e aprenderem a fazer escolhas, sobretudo, do seu próprio comportamento frente a uma nova relação.
Se o que motivou a busca da terapia foi a tentativa de preservar o relacionamento do casal, sem dúvida terá sido muito útil e verdadeiro o processo terapêutico – especialmente se ele oferecer a cada um, novos recursos para lidarem com velhos hábitos e distorções. Assim, olhando para si, ficará mais fácil identificar o que feria o objetivo daquele belo encontro, que aconteceu em nome do amor.