Terapia de casal

 

Quando recebo uma dupla para viver uma terapia de casal, confesso que já estou ciente que vou mergulhar nas águas profundas da complexidade humana. Rogo para que se façam presentes, com responsabilidade e sutileza, todo o conhecimento e inspiração que acumulei ao longo da minha jornada profissional.

Diferente da terapia individual, na qual exploramos com cuidado e dedicação os mistérios humanos e as idiossincrasias que compõem o espectro psicológico, o trabalho da terapia de casal é coletivo. Traço, junto com os envolvidos, o cruzamento de duas histórias que, num dado momento, depositaram grande parte da expectativa de vida um no outro.

A fragilidade de um bebê que vive seu paraíso no útero materno é abruptamente interrompida pela aventura de viver. Longe de sua original proteção, ele é jogado numa profunda experiência de desamparo.

Trocar aquela sensação de unidade por uma parte separada e avulsa remete esse ser, muito cedo, a sua percepção de incompletude que vai se desenvolver no vai e vem maternal. E se perceber numa individualidade, incapaz de dar conta de si mesmo, é muito temerário e até mesmo apavorante.

Esse bebê cresce e na bela adolescência, permite-se a ilusão da autossuficiência, do tudo ser, saber e poder. Não muito distante dessa fase, essa unidade de percepção fica ameaçada pela dialética da vida, atingindo a consciência extrema da fragilidade quando se depara com a incerteza da morte.

“Nossa, mas que volta! Eu só queria saber sobre terapia de casal…”

Pois é… Mas é bom lembrar que ao chegar no glamour da marcha nupcial, dos planos fantásticos e românticos de um casamento, essas duas criaturas já estavam assombradas por suas histórias. E ora, nada melhor que um grande amor para nos salvar desses perigos.

Mas muito mais perigoso que o amor é aquela que nos espreita na sala de espera: a paixão.

 

Doce veneno que nos embriaga

Nunca vi ninguém se queixar da paixão no tempo de vida útil que lhe é concedido. Mas cuidado, não abuse. Qualquer passo em falso pode ser fatal.

Dizem que paixão = amor + medo. Sim, porque a face avassaladora da felicidade da paixão mina todas as nossas forças diante do risco da ruptura e desamparo que muitas vezes nos transporta àquela dolorosa experiência do nascimento. Como, depois de um colo e leite quente, ficar ao relento?

Uma paixão pode ser tão traumática que pode fechar as portas definitivamente para o amor.

 

Afinal, o amor é insuportável?

Quem não for capaz de incluir o amor na trama da existência humana, com toda sua complexidade, não estará apto ao amor.

Pessoas que buscam muito mais ser amadas do que amar, que não resistem à frustração – muitas vezes após o parto – não conseguem processar a maternidade e paternidade. Acabam caindo numa postura de regressão.

Luiz Alberto Hans tem uma pesquisa na qual cita seis condições básicas para construir a viabilidade de um casal:

  1. Compatibilidade psicológica – características muito pouco compatíveis
  2. Grau de convergência – escolhas por demais diferentes nos gostos pessoais
  3. Atração sexual – há um mínimo indispensável de interesse, química e habilidades
  4. Pressões externas – problemas de ordem financeira, familiares, estresse etc.
  5. Valorização da vida familiar – é necessário ter a família a ser construída como um valor, um projeto de vida
  6. Competências de convívio a dois – habilidades de convivência como empatia e diplomacia

 

Certamente ninguém vai ter todos esses fatores confluindo ao mesmo tempo, mas também não dá para serem muito conflituosos.

“Mas qual é o balanceamento aceitável?” Essa pode ser uma importante análise para ser feita na terapia de casal.

 

Então quais são as chances para o amor? E como a terapia de casal pode ajudar?

Na contramão do que disse até aqui, quero afirmar o quanto tenho me emocionado ao ver como o amor é generoso e como vale a pena, quando vale.

O maior sabotador do amor é a perda da individualidade. A velha relação simbiótica romantizada pela “metade da laranja” ainda me parece o maior algoz dos relacionamentos.

Quando somos capazes de perceber a existência de nossos obstáculos internos e dar voz ao nosso eu, perde-se a urgência da completude por meio do outro. O medo do amor vai diminuindo e o outro deixa de ser uma ameaça, possibilitando tornar a vida mais leve. Gera-se cumplicidade, intimidade, podemos vislumbrar, então, o “mais amor” que está para nascer no romantismo do século XXI – sair da idealização para a realidade. Para tal, por amor podemos tolerar ou não tolerar, achando a medida de cada casal ao evitar práticas como:

  • Cobrança;
  • Mandos e desmandos;
  • Controlar a liberdade de ir e vir;
  • Controlar horários;

Podemos também compor com:

  • Expectativas;
  • Eu não gosto disso;
  • Às vezes não tolerar;
  • Afastar-se estrategicamente… ou para sempre.

Com isso, quero deixar claro que a terapia de casal busca o melhor nível de consciência de cada um, a ponto de ser capaz de ajudar os envolvidos a enxergar a situação com clareza e decidir sem precipitação.

Seja para desistir da relação enquanto casal mas não desistir de si nem de eventuais filhos, seja para fortalecer e usar todos os recursos do casal para uma vida que faça sentido: a procura incessante da terapia de casal é a de ajudar os envolvidos a atravessar com muita amorosidade essa bela viagem da vida.