Mecanismos de defesa dos tipos instintivos do Eneagrama
Enquanto seres humanos, temos uma disposição persistente do organismo a agir de maneira organizada ou biologicamente adaptativa. Na perspectiva do Eneagrama, essa disposição é entendida como nossos instintos, forças que atuam no nosso inconsciente antecipando-se à razão e a emoção. E quando nossos instintos começam a tocar a nossa cognição e interagir com nossa dimensão comportamental, criamos mecanismos de defesa – estratégias automáticas que tem como função a defesa da própria personalidade. Neste texto, vou abordar os mecanismos de defesa dos tipos instintivos do Eneagrama.
Cada eneatipo vai necessitar de um mecanismo de defesa muito especial para suas características. As dores do tipo vão apontar para o tratamento que ele precisa.
Gosto da analogia com uma bengala. É comum que usemos a ideia da bengala pejorativamente, nos referindo a uma dependência de apoio inadequada. Vamos pensar, no entanto, numa pessoa que quebra uma perna e pode apoiar-se numa bengala. Esta torna-se um mecanismo de defesa para a fragilidade da perda circunstancial de uma perna.
Quebrar uma perna exige imobilização e a bengala compensa esse impedimento. O processo de recuperação, no entanto, vai acontecendo aos poucos. Depois que a perna é liberada, tem uma fase de fisioterapia. Nessa etapa, a bengala ainda supre a fragilidade da perna afetada.
Concluída a fisioterapia e depois de um tempo de caminhada, pronto: aposenta-se a bengala. Ela cumpriu sua função e foi uma grande parceira quando necessária. Mas, se depois desse tempo, prossegue o uso da bengala… êpa! Aí sim, a coisa se complica e deixa de ser trabalho da fisiologia e passa para a psicoterapia.
Minha proposta é apresentar os mecanismos de defesa dos tipos instintivos do Eneagrama do ponto de vista da bengala: necessária enquanto estamos “quebrados”, mas dispensável depois que nos recuperamos.
Mecanismos de defesa do tipo 8
Movido por uma raiva corporal em contrapartida a um coração muito sensível – assim é um típico Desafiador.
Quando o eneatipo 8 rompe a relação com o próprio coração, desenvolve uma ferida que cria uma casca muito grossa. Ela vai o proteger, mas o Desafiador passa a atacar: precisa ser forte, em sua luxúria, mas nega sua sensibilidade. Para isso, vai precisar do mecanismo de defesa da Negação.
Assim o Desafiador vai esconder toda sua ternura, amorosidade e vulnerabilidade, apresentando-se como um ser todo poderoso.
Ele não demonstrará fraquezas, medos ou cansaço. E é dessa forma que o processo de Negação se instala: desenvolve-se para salvaguardar um coração machucado. Ternura, amorosidade e vulnerabilidade cedem e abrem espaço para surgir o valentão.
A terapia ou coaching de Eneagrama para o Desafiador precisará, com uma delicadeza sutil, resgatar aquela inocência que ficou lá na infância. Claro que o terapeuta terá que transitar de acordo com os níveis de consciência desse tipo 8 – por isso será tão importante estabelecer Confiança nesse vínculo entre terapeuta e paciente.
Mecanismos de defesa dos tipos instintivos do Eneagrama: o do Mediador
O eneatipo 9 desenvolve um dos mecanismos mais difíceis de serem enfrentados. A Narcotização, esse mecanismo de defesa, é uma escolha muito enraizada no inconsciente do tipo 9.
Fisicamente, o Mediador instala um modo vivente de acomodação, difícil de ser alavancado. A resposta da anestesia é imediata. Qualquer processo de mudança, ao contrário, vai exigir muito esforço. Como alavancar alguém, que fugiu ou negou os conflitos pela vida, a enfrentar as controvérsias dessa mesma vida?
A tendência de autoacusação por tudo que deixou de ser feito torna muito cansativo e pouco estimulante fazer qualquer movimento. Por isso o mecanismo que o eneatipo 9 descobre para se defender é extremamente eficaz: Narcotizar. É quase que escapar da vida, do responsabilizar-se por si mesmo.
Ao terapeuta ou coach, vai caber o desafio de acordar o tipo 9 para voltar a vibrar, acessar a tristeza que se esconde naquele coração abandonado por ele mesmo. É com essa energia que será trazida de volta a perspectiva de uma vida; e é ela mesma que vai ancorar um processo de tratamento.
O mecanismo de defesa do Perfeccionsita
O sentimento que move o eneatipo 1 é a raiva. Uma raiva que pode crescer e se tornar avassaladora. Ela pode ser arremessada nas pessoas, mas no tipo 1 ela é engolida, jogada para dentro – o que causa danos físicos e emocionais.
A forma que o Perfeccionista encontra de evitar essa raiva é fugindo do risco de errar e se tornar caótico. Transforma-se numa pessoa que precisa agir tão corretamente com a vida que vai se pegar extremamente vulnerável quando tomado pela energia da raiva e da perda controle.
O eneatipo 1 precisa de socorro para fugir desse mal-estar que toma conta do seu corpo e de sua expressão facial. E é no momento da reação à raiva que que atua seu mecanismo de defesa, o da Formação Reativa. Começa aí uma luta entre a raiva que tenta dominar a mente e o corpo e a Formação Reativa, que atua na direção de destravá-lo e, aparentemente, devolver-lhe o controle.
No nível terapêutico, há muitos trabalhos que podem ser feitos: o corporal, aprendendo a respirar e relaxar; um aprendizado simples, como contar até dez… Mas qualquer que seja a escolha, o tratamento vai passar pelo autoconhecimento. Só por meio dele o Perfeccionista será capaz de fazer a leitura de suas atitudes e perceber a aquisição de habilidades para lidar com essa raiva desgovernada que atua nos seus estados corporal, emocional e relacional.