Escuta e diálogo no casamento

Escuta e diálogo no casamento

Casais não são iguais, nem diferentes. São só dois seres buscando encaixes possíveis para se sentirem confortáveis e quererem estar ali. Mas traçar o cruzamento de duas histórias que, num dado momento, depositaram grande parte da expectativa de vida um no outro não é possível sem os envolvidos olharem para si mesmos e para o casal. Esse costuma ser o primeiro passo para que se estabeleçam os processos de escuta e diálogo no casamento.

Na poesia já está mais que registrada a força do vínculo amoroso entre duas pessoas. Vinícius de Moraes narrou esse amor em diversas obras. Uma das mais famosas me chama a atenção por escancarar a codependência. Em “Eu não existo sem você”, ele diz:

Assim como uma nuvem, só acontece se chover
Assim como o poeta, só é grande se sofrer
Assim como viver, sem ter amor não é viver
Não há você sem mim, eu não existo sem você

De um romantismo desse tamanho não é fácil abrir mão, mesmo diante de gigantescas ameaças que possam acompanhar o casal. No momento do “grande encontro”, da “entrega absoluta”, qualquer racionalidade parece desautorizada a questionar os versos de Vinícius.

Bom, a racionalidade pode até não questionar… Mas o tempo, o cotidiano, as contas a pagar, as manias de cada um, suas subjetividades, o sol e a lua que nos seguem… Esses têm a capacidade de colocar em cheque até o romantismo de Vinícius.

 

Escuta e diálogo no casamento: um passo a passo?

Já escrevi num texto antigo que o ser humano, diferente das demais espécies, possui o benefício da escolha e o preço das suas consequências. Mas também já escrevi que só se escolhe de verdade o que realmente conhecemos. A vida, entretanto, nos exige escolhas para as quais não fomos sequer alfabetizados.

Portanto se cabe aos envolvidos num casamento a escolha – e para que ela seja bem feita, talvez seja necessário um bom nível de consciência – vamos tomar o caminho das reflexões.

Como escrevi no início do texto, casais são seres buscando encaixes possíveis para se sentirem confortáveis e querem continuar ali. Quem não gosta de, depois da sensação de falta, sentir prazer em reencontrar a pessoa que ama?

Mas “sentir falta de” e “ter prazer em reencontrar” são sensações que estão necessariamente ligadas a experiências vividas com o outro. E para saber o que toca, positiva e negativamente, é fundamental identificar:

  • O que ajuda a relação?
  • O que atrapalha?
  • O que é tóxico na relação?

E ao identificar esses pontos, já deve se saber de antemão que essas respostas não são definitivas. Elas irão mudar ao longo do caminho. Pontos que um dia foram atraentes podem se tornar cansativos e até insuportáveis.

Para evitar esse ponto, não há outro antídoto senão escuta e diálogo no casamento. Eles são as únicas chaves para que a atuação de um diante do outro não se torne destrutiva. E dessa chave é necessário ter cópia e reserva, porque podem vir momentos nos quais jogaremos ela pela janela.

 

A importância da escuta para o caminhar do casal

A arte da escuta é um dos maiores desafios de qualquer relação, independente da sua natureza. Mas tratando-se de casais, esse desafio pode ser a aliada da qualidade de vida e da longevidade da convivência.

Só que a escuta, como qualquer outra habilidade humana, é filtrada pelo nosso canal emocional. E se esse está inflado, ele obstrui o canal racional, que é tão importante para a escuta. Nesse ato inicia-se um caminhar num terreno pantanoso no qual o lodo é a intolerância. Sem a escuta como aliada, esse lodo te traga rapidamente para o fundo, no qual o casal estará sob o risco de um caminho ainda mais doloroso, que envolve rotulações, acusações, ofensas, desrespeito e, infelizmente, violência.

Esse caminho vai na contramão do relacionamento cantado em verso por Vinícius, o do início do texto. Mas por que?

Porque somos humanos, mas nem sempre agimos com humanidade. Temos instintos e, às vezes, eles nos desviam dos nossos propósitos. Nossos componentes emocionais são capazes de distorcer percepções e interpretar atitudes e falas com o filtro de nossas carências e preconceitos.

Na semana que vem seguirei falando de relacionamentos, com foco no casamento. Vou falar de como nossas crenças muitas vezes embaçam nossa visão sobre o outro e afetam nossa capacidade de escuta e diálogo no casamento.