Sobre medos e riscos
O medo de perder anda deveras presente na nossa sociedade capitalista. É o fantasma que assombra os investidores, por exemplo. O que vai subir ou descer hoje na bolsa hoje? Quem vai lucrar e quem vai empobrecer?
Já no mundo do comportamento, quando tratamos de ações humanas, o medo é de perder o dinamismo da vida. Tememos que ela caia na inércia, no imobilismo, na paralisia.
Em verdade todos temos medos, sejam eles medinhos ou medões. Ai daquele que se atreve a não temer!
Muitas vezes é o medo que nos salva. Tantas outras, geram bloqueios impeditivos de agir e, por vezes, até de pensar.
O mais assustador dos medos é o gerado pela censura, porque ele provoca um mundo de medo. Essa foi uma triste herança da ditadura. Sei de histórias que foram substituídas por receita de bolo nas primeiras páginas dos jornais. Elas acabaram ficando, cínica e petulantemente, entocadas nos porões da imprensa. Aos poucos essas histórias foram sumindo, com os acervos sendo queimados.
A ditadura gerou um medo de se expressar. Por um grande período tivemos uma imprensa tímida, estereotipada. Compositores deixaram de compor, escritores pararam de escrever.
Veio a anistia e, alguns anos depois, a democracia. Já podíamos escrever e dizer muitas coisas sem ser preso, torturado, exilado ou morto. Mas onde andam os compositores e escritores? Calaram-se? Empobreceram? A produção artística e intelectual evaporou-se? Ou há um fantasma desfilando em nossa mente, um que já causou estrago? A censura prévia, a grande inimiga da criatividade e da liberdade, roubou a cena?
Hoje temos sim a liberdade de expressão. Alcançamos tímidas conquistas, mas no imaginário, as sequelas permanecem instaladas.
A geração que sofreu a transição do modelo ditatorial ainda não encontrou seu destino. Já a nova geração faz incursões por meio de protótipos de uma outra consciência social, que defende direitos e repudia discriminações. Mas lá, na hora do divã, os medos retornam. Não se sabe o que é mais forte: o temor do passado sombrio ou a falta de perspectiva num futuro que parece vazio. Vazio de ideias, vazio de direitos.
Para temperar isso tudo, no presente, a violência bate à porta – muitas vezes a arromba. O ser humano está muito fragilizado, assustado.
O domínio da Crítica da Razão Cínica, citado por Peter Sloterdijk, reduziu política a politiquice, politiqueiros e sonegou um bem muito precioso para a economia humana: a confiança nas instituições. Não conseguimos mais enxergar o Outro, ele está sem face. Enquanto isso, cada um de nós padece de uma solidão social que nos empurra para a falência do coletivo.
Medos: diante deles…
Mais do que nunca precisamos contar com um equilíbrio interno capaz de fazer frente a esses atentados de demolição da esperança. Precisamos ter propósitos que deem significado ao nosso dia a dia.
No nosso viver diário, às vezes tentamos nos poupar de sofrimento, acreditando que esta é a nossa capacidade de enfrentar o mundo. Mas na verdade precisamos atuar com coragem, entendendo que ela não se caracteriza pela ausência de medo, mas sim pela capacidade de enfrentá-lo.
O maior perigo que o medo traz é a sensação de incapacidade que acaba gerando e confirmando a percepção do risco intransponível. Lembremo-nos de Kierkegaard: “arriscar-se gera ansiedade, mas deixar de arriscar é perder a si mesmo”.